A inadmissível possibilidade da derrota faz com que muitos brasileiros criem heróis falaciosos em seu imaginário esportivo e cultural. O resultado: torcedores medíocres que abandonam suas paixões ao primeiro sinal de fracasso, como é o caso do MMA.
O texto a seguir reflete sobre o mundo esportivo, mas em um olhar mais profundo diz muito sobre as nossas vidas. Acompanhe e revolucione o seu modo de pensar e também o seu agir.
#EuSouQR #EuAcreditoemVocê #QuebreasRegras #MMA
Segue o texto:
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O brasileiro não gosta de MMA.
Foi com essa premissa que comecei um texto no meu antigo blog, logo após a perda do cinturão de Júnior Cigano, em dezembro de 2012.
Um ano e meio depois, tenho ainda mais certeza disso.
Faça um exercício mental: como seus amigos e parentes falavam dos lutadores brasileiros há dois anos, quando o país tinha quatro campeões no UFC?
E o que falam hoje? E o que vão falar se José Aldo perder o título dos penas para Chad Mendes, em agosto?
Provavelmente, você percebeu o mesmo que eu. Um arrefecimento gradual nas conversas de mesa de bar e na exaltação dos brasileiros que sobem no octógono.
Sempre que me aventuro pelo esgoto dos comentários dos grandes portais, vejo isso de maneira muito mais intensa, porque acho que é uma bela amostra do senso comum por onde habita o grosso dos consumidores do esporte no país.
Façamos esse exercício com a notícia do Globoesporte.com sobre a derrota de Renan Barão para TJ Dillashaw:
Infelizmente, vamos admitir que o plano do Dana é tirar todos os brasileiros do topo”, diz um. “Tá na cara: lutas armadas pelo Dana White favorecendo os americanos, assim todos os cinturões ficam nos EUA“, fala o outro. “Parece armação para ter revanche e lucrar mais”, cospe um terceiro. “Dana consegue tudo que quer e o que queria era mostrar que Barão realmente não merecia respeito! E usou do jogo sujo pra isso: Dillashaw lutou à vontade e tomou o que quis antes de lutar”, garante um outro leitor. “Mais um que se vendeu. O único brasileiro que ainda representa no UFC é o José Aldo”, assegura um sabichão.
Perceberam? Eu poderia pegar mais uns 20 desses. Em comum, está a percepção de que:
1) Se é brasileiro e não é campeão, não presta;
2) Se perdeu, perdeu porque foi comprado;
3) Existe uma conspiração internacional para impedir que brasileiros vençam.
Para esses caras — e eles são muitos —, não importa se o Brasil é um mercado importantíssimo para a expansão internacional do UFC.
Não importa se, antes do recorde de quatro campeões, brasileiros tiveram no máximo dois cinturões simultâneos em 20 anos de história da organização.
Muito menos se jamais houve qualquer investigação séria sobre manipulação de resultados no Ultimate — o que seria até normal.
O que importa é achar um argumentozinho, por mais tacanho que seja, que justifique sua decepção.
Ao criticar o atleta, esse torcedor fala de si, não do esportista.
Fala da sua desilusão com o herói brasileiro que tem a obrigação de ganhar de todos para ME fazer feliz.
Amplio o pensamento que abriu o texto: o brasileiro não gosta de esporte; gosta de ver brasileiro ganhando.
Desde a Fórmula 1 é assim.
Ayrton Senna é ídolo até hoje porque morreu no auge, ainda como alguém de quem se esperava um título, ainda numa grande equipe.
Ao fazer um carro difícil em 1994, a Williams “cagou logo na minha vez”, como disse o próprio Ayrton nos treinos de pré-temporada daquele ano.
Não duvido que, se chegasse ao fim do Mundial com aquele carro complicado, vice pelo segundo ano seguido, Senna fosse alvo do processo de rejeição que o torcedor brasileiro aplica a todo atleta que para de vencer.
Senna morreu antes. Morreu mito, ídolo capaz de ser lembrado com emoção até hoje.
Em compensação, todos os que vieram depois dele — incluindo Rubens Barrichello e Felipe Massa, ambos acima da média — viraram piada, mesmo tendo sido vice-campeões numa geração de monstros como Michael Schumacher, Fernando Alonso e, posteriormente, Lewis Hamilton.
Depois de Senna, veio o tênis, esporte de um nicho muito pequeno até que aquele surfista catarinense ganhou Roland Garros em 1997.
Até 2001, com uma seleção de futebol claudicante, só se falava de Gustavo Kuerten.
Academias de tênis surgiram em todo lugar, com pequenos moleques que sonhavam ser como Guga.
A partir de 2002, porém, as lesões abreviaram a carreira do brasileiro.
Aos poucos, a cobertura midiática escasseou, a febre passou e o torcedor médio, aquele brasileiro com muito orgulho e com muito amor, procurou outro esporte.
Guga abandonou a carreira.
Já em no ocaso da carreira do catarinense, veio a febre da ginástica.
Daiane dos Santos, em 2003, foi a primeira brasileira a ganhar um Mundial. Depois, fez história com um salto único.
Mas o ápice foi curto e, depois — adivinha? —, o desempenho da atleta virou motivo de piadinhas por aqui.
Massa esboçou trazer a F1 à tona em 2008, quando perdeu o título de maneira épica e dramática.
Por um momento, parecia que o torcedor abraçaria o automobilismo novamente.
Como se vê, isso não aconteceu — afinal, o título não veio.
Esporte em que brasileiro não é campeão não serve.
E é por isso, amigos, que o vôlei se mantém, ano após ano, como segunda preferência do brasileiro, a apenas um abismo e três dimensões de distância do futebol.
É porque, mesmo nas vacas magras, as seleções estão ali perto, rondando um título, cercando uma medalha.
São 30 anos aplacando, às vezes mais, às vezes menos, a sede do torcedor que adora se sentir parte do que o atleta conquista.
É como se o esportista tivesse a obrigação de compensar o cara do sofá pelo esforço de assistir ao seu jogo ou à sua luta.
No Brasil, sustenta-se a ilusão de que o atleta representa o torcedor.
Mas não, ele não representa.
O atleta é representante, no máximo, de sua família, seus amigos, seus colegas de treino.
É o parente dos familiares dele, o amigo dos amigos dele, o parceiro dos parceiros dele.
E um grande atleta para quem torce por ele. E pronto.
Até outro dia, não faltavam lutadores a cravar que o MMA já era a paixão número 2 do brasileiro.
O futuro próximo dos atletas nacionais no Ultimate, porém, pode dar toda a contribuição para que o torcedor com muito orgulho e com muito amor abandone o esporte.
Entre julho e agosto, Lyoto Machida pode perder para Chris Weidman e José Aldo, para Chad Mendes.
De repente, o Brasil pode deixar de ser o gigante imbatível que era na cabeça do torcedor médio.
A cultura brasileira não é esportiva, não é do ganhar-perder-empatar.
O comportamento do torcedor brasileiro não é o de reconhecer o sucesso do atleta, mas de embarcar nesse sucesso.
Para este tipo de consumidor, se o “nosso” atleta é amplamente dominado, é impossível ressaltar a superioridade do adversário; é preciso dizer que tem algo errado ou que o sujeito entregou a luta.
Assim como embarcou, o torcedor médio pode muito bem pular fora do barco do MMA.
E isso pode acontecer mais rápido do que a gente pensa.
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