O Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (NRE-Poli) divulgou o relatório da última reunião de seu Comitê de Mercado, formado por professores, pesquisadores e profissionais de diferentes segmentos do setor. O relatório apresenta as perspectivas de curto prazo para o mercado imobiliário brasileiro.
Leia a nota da reunião na íntegra:
Introdução
A última reunião de cada ano do Comitê tem como pauta a discussão de perspectivas de curto prazo do real estate (o ano seguinte). Em cada ciclo temos organizado as projeções segundo determinadas questões que aparecem como as mais relevantes em cada conjuntura. As discussões são segmentadas por tópicos, alguns interligados, e para dar suporte mais amplo às perspectivas, procuramos ouvir uma parcela de formadores de opinião do mercado, por meio de uma enquete. Esta Nota está estruturada seguindo as questões da enquete e em cada resposta encontramos o confronto entre as opiniões prevalentes no Comitê e o resultado da enquete. Como a amostra do mercado utilizada para a enquete não é estruturada, não consideramos que as respostas servem com o rigor de uma pesquisa. Consultamos os leitores das Cartas do Comitê que constam do nosso cadastro, extenso público que entendemos qualificado para esta consulta.
A economia setorial e os segmentos abordados no questionário de pesquisa
Alguns aspectos relacionados com o comportamento da economia em 2014 e as projeções modestas para 2015, além de questões de governabilidade certamente permeiam as respostas sobre perspectivas, sejam as do Comitê, que tivemos oportunidade de debater na reunião, como as dos que responderam à enquete. É reconhecido que o Brasil deverá viver uma economia em reorganização em 2015, o que não parece possível acontecer somente em um exercício fiscal, objetivando superar a perda de qualidade recorrente dos últimos quatro anos. Esta reorganização pode ser acelerada na hipótese de que o sistema produtivo e os capitais de investimento, nacionais e estrangeiros, confiem nos gestores públicos e estes apresentem medidas, propostas e posturas confiáveis. Eventual quebra de expectativas poderá ser percebida nos meados de 2015, que, acontecendo, fará recrudescer o grau de debilidade ora verificado, o que conduzirá o setor do real estate para um estado mais desfavorável do que o apresentado nas respostas às questões da enquete, como analisado pelo Comitê.
Alguns tópicos da economia podem ser ressaltados, com a sua repercussão no ambiente do real estate. Estas serviram de cenário para as respostas do Comitê ao questionário e, como se pode perceber pela aderência às respostas coletadas na enquete, possivelmente serviram para os consultados fundamentar suas opiniões.
No mercado residencial a demanda orgânica não depende somente de fatores econômicos, mas também e intensamente de demográficos. Entretanto, a percepção da condição econômica pelas famílias que necessitam comprar as leva a concluir transações somente em uma condição evidente de conforto. Comprometer a poupança financeira acumulada, perdendo liquidez que só pode ser recomposta em alguns anos e bloquear uma fração expressiva da renda pelo horizonte mínimo de 20 anos só se ancora em uma expectativa de estabilidade e crescimento, sem espaço para dúvidas sobre os riscos de manutenção de emprego e renda. Na dúvida, resultado de evidências de que a economia não vai bem e sem horizonte claro de recuperação, a demanda se retrai1. Seguindo as perspectivas econômicas para 2015 e as medidas agressivas que se pode prever para recuperar a qualidade perdida por má gestão, não é provável que a demanda em 2015 venha a se somar com a retraída e é possível ocorrer ainda mais retração.
Os edifícios corporativos significam investimento saudável quando apresentam elevadas taxas de ocupação e aluguéis que remuneram adequadamente os recursos financeiros aplicados, o que ocorre somente quando a economia permite que as empresas mantenham seu regime de produção, ou cresçam. Caso contrário, espaços são reduzidos, ou até empresas são encerradas, o que constrói a onda negativa do real estate comercial, na qual taxas de ocupação mais baixas emulam, pela competitividade entre proprietários, aluguéis em queda, formando um binômio que desqualifica a qualidade dos investimentos. Este é o cenário para o ciclo adiante, no qual, mesmo com recuperação da economia, o mercado nos grandes centros só tenderá a se estabilizar em no mínimo cinco anos.
Os shopping centers construídos sem fundamento econômico sólido (poder de compra do público alvo) apresentam vazios. Economia recessiva, ou sob taxa de crescimento modesta, somada com poder de compra do consumidor bloqueado por dívidas contraídas sob premissas fantasiosas de crédito fácil, mas caro, são fatores que freiam o consumo do conjunto dos bens que compõe o mix dos shopping centers. A queda de vendas das lojas e as receitas comprometidas pelos descontos continuados não incentivam os lojistas à expansão, como também não municiam capital de giro para aplicar em novas lojas. O crédito caro muito menos incentiva à expansão. A falta de perspectiva de crescimento de vendas idem. Os vazios impressionantes verificados em vários empreendimentos, especialmente aqueles implantados com capitais amadores são resultado desses dois efeitos: as decisões econômicas dos últimos anos e sua repercussão no consumo e os investimentos sem suporte em planejamento de qualidade.
Fundos de investimento imobiliário são estruturas nobres de investimento para pequenos e médios capitais conservadores, ainda que utilizadas no Brasil de um modo pobre. Aqui até se vestem pequenas partes de imóveis para vendê-los partilhados, enquanto nas economias evoluídas os instrumentos semelhantes (os REITs) abarcam portfolios de grande expressão e competitividade, além de que a autorização para exercício de gestão proativa permite revitalizar o portfolio de imóveis continuadamente. Além do mais, vimos acontecer no mercado brasileiro algumas operações cujos preços foram especulados pelos originadores contra os investidores, sob o olhar complacente, quando não comprometido, de algumas instituições gestoras. Será difícil admitir a recuperação da credibilidade dos fundos imobiliários para renda no curto prazo.
No curto prazo ainda não é possível medir o impacto das questões políticas em pauta.
As questões propostas e as respostas
Para os membros do Comitê e na Consulta ao Mercado propusemos questões, cujas respostas foram tabuladas e são descritas nos gráficos adiante. A tabulação está sempre calculada para a proporção de 100 pontos. Para algumas delas fazemos comentários adicionais, procurando interpretar aspectos não transparentes nos resultados, sendo que em outras o teor das respostas já é naturalmente conclusivo.
Empreendimentos Residenciais
Questão 1: Na maioria dos segmentos (produtos e cidades) do mercado brasileiro, os preços de oferta dos imóveis residenciais nas vendas de estoques e lançamentos, em 2015, relativamente a 2014, devem:
A Consulta ao Mercado se aproxima da tendência verificada nos debates do Comitê. Podemos sintetizar afirmando que a percepção é de que os preços deverão acompanhar a inflação, com viés de baixa. Baixa acentuada poderá se verificar nos mercados que ainda apresentam problemas de estoques elevados para um poder de compra reduzido, como se conclui pelas respostas de questões adiante.
Questão 2a: Com respeito aos preços de 2015, relativamente a 2014 destaque uma cidade ou região de maior aumento de preços.
Destaque para a correlação entre as respostas, ressalvada a visão sobre a cidade de São Paulo, que como se verifica adiante, na Consulta ao Mercado apresentou uma tendência inconclusiva. A melhor explicação para o acento de aumentos em São Paulo está na questão do reflexo do preço da outorga onerosa imposta pelo novo Plano Diretor Estratégico – PDE e nas evidências de que preços pedidos pelos terrenos disponíveis nos eixos de estruturação subiram sensivelmente, sem que o PDE tenha conferido aumento de coeficiente de aproveitamento. De outro lado, os preços pedidos “fora dos eixos” na maioria permanecem estabilizados, contra uma queda de coeficiente de aproveitamento. Ainda há muitos projetos aprovados ou em aprovação em terrenos comprados ou opcionados a preços antes do PDE e nas regras de aproveitamento antigas. O que se deve reconhecer é que durante um certo tempo, provavelmente curto, os empreendedores tenderão a formar seus preços com base em custos incorridos de terreno, mas logo deverão migrar para utilizar o custo de reposição por terrenos equivalentes, o que será um impulsionador de preços mesmo para os projetos aprovados seguindo as antigas regras (antes do novo PDE).
Questão 2b: Com respeito aos preços de 2015, relativamente a 2014 destaque uma cidade ou região de maior queda de preços
Salvador, Manaus, Brasília e algumas cidades do Nordeste apresentam estoques de imóveis prontos em volume superior à demanda orgânica e a preços acima do poder de compra do mercado. Algumas empresas estão abandonando esses
mercados. Esses dois fatores são impulsionadores de descontos. Destaque na comparação desta resposta com a anterior é que a Consulta ao Mercado não apresenta uma tendência clara para São Paulo. Praticamente o mesmo número de consultados responde que São Paulo deve apresentar preços mais caros (questão 2a) ou preços menores (questão 2b). A esse respeito, a discussão do Comitê enveredou para como o mercado tem feito a leitura das promoções agressivas alardeando descontos “fantasia”. Como é reconhecido, várias empresas têm procurado enveredar por promover vendas a partir de realçar um desconto tópico e elevado, estratégia que para aqueles que não estão diretamente comprando imóveis transparece como uma tendência de preços, quando não é. A distribuição das respostas da Consulta ao Mercado provavelmente indica visões de em que cidade o respondente está ou atua como empreendedor. Isso indica que existe uma preocupação generalizada quanto aos ajustes de preços à capacidade de compra do mercado, quando se verifica que os preços vêm crescendo, recorrentemente desde 2005, acima da renda do mercado e que o mecanismo de ajuste pela qualidade do imóvel (dimensões, acabamentos e migração para bairros periféricos) é um procedimento em esgotamento.
Questão 3: O nível da oferta (número total de unidades lançadas) de empreendimentos em 2015, relativamente a 2014:
As respostas evidenciam a visão recessiva prevalente de 2015 sobre 2014. Na leitura isolada por mercados (cidades ou regiões), cujas respostas estão compiladas nos gráficos das questões 4a e 4b, verifica-se que há expectativas de crescimento da oferta em alguns mercados e redução em outros, em consonância com a verificação de que há estoques ainda por serem comercializados, cuja liquidez tem se verificado muito baixa (velocidade de absorção). Na leitura das respostas da Consulta ao Mercado às questões de onde se localizam crescimento ou redução de oferta (2015 contra 2014), adiante indicadas, verifica-se uma tendência inconclusiva envolvendo o mercado de São Paulo (cidade agregada à região metropolitana e cidades expressivas de seu interior). Respostas praticamente na mesma proporção fazem leituras opostas sobre o mercado de São Paulo. As respostas do Comitê não apresentam conflito, acentuando que São Paulo ainda será um mercado lido pelos empreendedores como preferencial (aumento da oferta), enquanto os mercados já citados (Salvador enfaticamente) sofrerão redução de oferta, concentrando-se o esforço das empresas na liquidação dos estoques atuais.
Questão 4a: Relativamente à oferta, destaque uma cidade ou região que apresentará crescimento
Questão 4b: Relativamente à oferta, destaque uma cidade ou região que apresentará queda
Questão 5: Em geral, considerando a demanda de imóveis residenciais e a oferta dos empreendedores, a velocidade de vendas em 2015, relativamente a 2014:
Estas respostas evidenciam a previsão recessiva e o maior prazo de maturação da decisão de compra que deve marcar o mercado em cenário de economia debilitada, mesmo que em eventual recuperação. Em 2014 a velocidade de absorção de produtos residenciais tem sido mais baixa, todavia sem comprometer a qualidade dos empreendimentos. Considerada a estrutura de funding utilizada preferencialmente no mercado brasileiro e os prazos de obras, velocidade de absorção compatível com o ciclo de lançamento mais o prazo de construção para liquidar os estoques força a conta de investimentos e baixa a taxa de retorno dos empreendimentos. Entretanto, para a grande maioria dos negócios, quando se compara a velocidade de vendas lenta, contra a mais agressiva de venda integral no lançamento, o montante agregado de investimentos não é relevante e a quebra de taxa de retorno também. Ou seja, os negócios suportam velocidade de vendas mais moderada, sem deixar de oferecer incentivo aos empreendedores.
Edifícios Corporativos nos Grandes Mercados
Questão 6: O índice de vazios em 2015:
Os estudos do NRE-Poli, refletidos na Carta 38 e na Nota do Comitê da última reunião já traçam o cenário de crescimento de vazios e depressão dos aluguéis. O que é possível acrescentar, passados dois meses da emissão destes documentos é que ora se verifica em São Paulo uma queda mais aguda nos aluguéis dos empreendimentos AAA, na tentativa de provocar a migração de locatários, seja de outras posições AAA, como até de AA, para prevenir grandes vazios por ciclos muito longos, o que ameniza a deterioração da qualidade dos investimentos. Verificam-se também prazos de carência mais altos, o que indiretamente significa alugueis mais baixos. A síntese é que o cenário de médio prazo é de desincentivo ao investimento em imóveis comerciais, tendo em vista que o reequilíbrio do mercado só se verificará, sujeito sempre a uma reversão da economia, em um longo horizonte. As respostas à questão 7 indicam que esta é a expectativa na Consulta ao Mercado.
Questão 7: Os investimentos em novos empreendimentos em 2015, relativamente a 2014, medidos pela ABL construída, em geral deverão:
Empreendimentos de Shopping Centers
Questão 8: Em 2015, relativamente a 2014, os vazios nos shopping centers (lojas não locadas) deverão:
Aqui prevalece a visão recessiva, acentuando-se que os vazios em 2014 já são grandes. A expectativa acentuada na enquete é que essa configuração poderá ainda se agravar, como caudatária das causas já descritas: vendas modestas e a preços contidos (margens estreitas) e falta de capital de giro para expansão das lojas.
No detalhamento das opiniões (questões 9a e 9b) destacam-se onde estão os problemas atuais e que podem recrudescer: interior de São Paulo e algumas cidades de menor porte no Brasil, que é justamente onde se abrigaram os capitais de investimento amadores, nacionais e estrangeiros.
Questão 9a: O desempenho dos investimentos em shopping-centers é severamente afetado por vazios. Para 2015 destaque uma cidade ou região com muitos vazios
Questão 9b: O desempenho dos investimentos em shopping-centers é severamente afetado por vazios. Para 2015 destaque uma cidade ou região com poucos vazios
Questão 10: Os investimentos em novos empreendimentos, medidos em m2 ABL, em 2015, comparados com 2014, serão:
As respostas estão em linha com a previsão recessiva para o setor, o que, naturalmente não convidará a novos investimentos.
Fundos de Investimento Imobiliário
Questão 11: As cotas dos FII sofreram forte desvalorização em 2014. Em 2015: (respostas múltiplas)
Especula-se que um dos vetores de queda de valor das cotas em 2014 seria o crescimento da taxa referencial de juros, sem que o fluxo da renda dos empreendimentos abrigados nos FII acompanhe, porque o seu vetor primário de ajuste é inflacionário e ainda caudatário das pressões de mercado na formação das rendas 4 . A taxa referencial de juros de alguma forma influencia, ainda que seja mandatório considerar que a renda das cotas abriga um componente virtual de ajuste vinculado ao valor patrimonial do portfolio imobiliário, cuja apropriação é complexa tendo em vista que ela virá diferida por meio do ajuste das rendas e somente em configuração de equilíbrio de mercado.
O fator que mais pode ter colaborado para a queda de preços de cotas de FII, que, como é simples comprovar afetou alguns fundos, mas não todos, é a diminuição da renda, em alguns casos muito elevada, provocada pelo término do ciclo de garantia de renda que muitos originadores conferiram aos seus empreendimentos securitizados em FII. Com o propósito de sobrevalorizar os empreendimentos na securitização, vários FII foram lançados oferecendo rendas fixadas por um certo período, derivadas de pagamentos de garantia de renda ou similares, oferecidos pelos originadores. A queda abrupta de renda ao final do ciclo de garantia espalhou pelo mercado uma imagem de que os FII são investimentos não tão conservadores como é da sua natureza – portfolios de real estate destinados à renda.
Essa visão pode ser referendada pelas respostas à questão 12, de onde se depara que a opinião prevalente na enquete é que a continuidade de oferta destes instrumentos de investimento para os investidores conservadores, está associada à oferta de garantia de renda5. Como o questionário permitia respostas múltiplas, o que se conclui é que há uma ênfase na garantia de renda, mas a questão da credibilidade quebrada ainda tende a repercutir, além do efeito recessivo da economia alquebrada na capacidade de investimento.
Questão 12: Quanto ao lançamento de novos FII: (respostas múltiplas)
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Post originalmente publicado em PINI Web
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