Pesquisa mostra consumidor atento aos movimentos da inflação e poupando dinheiro para concretizar sonho da casa própria. Esse conteúdo é publicado sob a licença Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 3.0 Unported.

A Hibou, empresa especializada em monitoramento de mercado e consumo, divulgou pesquisa no final de 2014, onde apontava tendências para 2015. Realizado em cinco capitais (Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Brasília) o levantamento abrangeu desde expectativa de inflação até fidelidade a marcas, passando por mercado de trabalho e no setor imobiliário. Focado exclusivamente no comportamento da classe média, o estudo revela que 20% dos entrevistados priorizam a compra ou a troca de imóvel neste ano. Boa parte confidenciou que, para realizar esse sonho, está disposta a investir entre R$ 150 mil e R$ 500 mil. Para o coordenador da pesquisa, Marcelo Beccaro, isso demonstra busca de segurança, combinada com antecipação de compra para fugir de eventuais distorções econômicas. Confira a análise do especialista:

A pesquisa Hibou mostra uma classe média com os pés no chão para 2015. Mesmo assim, 20% dos entrevistados disseram que pretendem comprar um imóvel. Isso mostra a maturidade do consumidor?
Mostra que o brasileiro não desistiu. Imóvel é um permanente sonho de consumo. Seja primeira moradia, upgrade ou investimento, sempre existiu no brasileiro a intenção de comprar imóvel e ainda existirá por muitos anos. Para um país como o Brasil, é sinônimo de conquista. Já a segunda moradia é lazer e status associado a investimento. Deve-se lembrar que pretensão e realização são dois atos separados. Concretizar a compra depende de economia favorável, da aprovação de crédito e da oferta que venha de encontro à demanda.

Diante de um cenário com baixo crescimento, inflação e risco de desemprego, qual o perfil do consumidor de classe média que busca a compra de um imóvel?
Por experiência sabemos que não existe um único perfil consumidor para imóvel. Essa é uma compra que tem mais relação com o momento de vida do consumidor, e sua família, do que com um perfil específico. Se estivéssemos falando de “quem compra studio” ou “de quem compra apto de 56m², com dois quartos”, existe sim perfis socioeconômicos razoavelmente bem definidos. O que vale ressaltar dentro da classe média é tipicamente uma compra pensada, voltada para a expansão da família. Seja sair da casa dos pais, criar um novo núcleo familiar ou a necessidade de outro quarto. No caso de um novo emprego ou promoção, a classe média não busca um upgrade de moradia sem necessidade, preferindo como segunda moradia uma casa de praia ou de campo. Nos anos recentes, temos visto a queda da segunda moradia em favor do primeiro imóvel para investimento (entre 7% e 14% das procuras) dentro da classe média.

Diante da incerteza econômica, o consumidor pode antecipar compras. Em vez de deixar para comprar um bem durável em 2016, comprar em 2015, mesmo não tendo todo o dinheiro?
Sim, dependendo da disponibilidade de crédito e da insegurança no governo, isso tem trazido de volta o medo da inflação. No Natal, foi possível ver lojas de varejo, e até incorporadoras, fazendo promoções que chamavam por “preços dos anos passados”, mostrando que o desconto – que tem sido a grande arma da publicidade varejista nos últimos anos – mal consegue mitigar o aumento de preço do período.

Outro dado interessante da pesquisa é que 74% disseram que estão poupando dinheiro para comprar um bem durável. Isso também é um sinal positivo, correto?
Sim, e por dois motivos. Primeiro, por mostrar maturidade do consumidor, que está entendendo que juros de cartão de crédito, de empréstimo e de conta no vermelho saem mais caro que o produto. Segundo, por que mostra uma posição positiva em relação ao ciclo virtuoso de produção: poupança leva à compra, que leva à produção, que leva à contratação, que leva ao salário, que leva à poupança.

Houve a estratificação da pesquisa, ou seja, mostrando que em São Paulo há um percentual maior de interesse em comprar imóvel do que em Curitiba, por exemplo?
Não analisamos os dados separadamente, o objetivo foi entender o consumidor brasileiro por isso a seleção das 6 capitais que melhor refletem o cotidiano do Brasil. Para compra de imóveis não houve relevância percentual.

A pesquisa abrangeu Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Brasília. Mesmo assim, ela conseguiu refletir uma tendência nacional?
Sim. Estatisticamente, uma amostra aleatória e devidamente coletada consegue mostrar o panorama da população, dada sua significância e margem de erro. Considerando o quanto do consumo existe, e é puxado pelas capitais citadas, temos a maior parcela desta significância contemplada. E sendo estas cidades referência em comportamento do brasileiro para suas regiões, podemos ver a influência que a relação demanda-oferta nelas terá no restante do país.

Para a Hibou, qual dado da pesquisa chamou mais a atenção?
Os 41% dos brasileiros que pensam em atuar em outra área profissional, ou seja, que estão insatisfeitos com o seu momento de vida profissional. Eles querem buscar novos horizontes, mas o cenário do dia a dia não é compatível. Então, ele vai levando. Apenas 2% está efetivamente tentando mudar.

Pelo que a Hibou sentiu da pesquisa, quais setores da economia devem sentir mais a crise?
As primeiras marcas a sentir serão as afuniladas entre as multinacionais consolidadas com qualidade e preço e as populares de baixo custo. Isto porque, quando aumenta o preço, o que o consumidor faz é tentar manter seu padrão de vida, substituindo o produto de que gosta por similares de preço acessível. Por exemplo, poucos anos atrás vimos o suco pronto para beber substituindo o suco em pó na mesa do brasileiro. Esse upgrade será mantido enquanto possível, indo para faixas mais baratas de suco pronto para beber antes, de retornar ao suco em pó. Grosso modo, as grandes holdings são as capazes de ter tanto o menor custo produtivo quanto ter a maior qualidade aparente – isso consolidado em amplo gasto em comunicação. Já as empresas médias, e mesmo as grandes nacionais, acabam preenchendo esse espaço intermediário e, como é problema conhecido há décadas na indústria brasileira, sofrem com o peso dos custos altos, com a péssima malha logística e com o preço de insumos importados.

As marcas vão ter de se readequar para conquistar o consumidor? Caso sim, de que forma?
Isso já vem acontecendo mundialmente. O consumidor mudou, e cada vez a informação é uma arma. No Brasil, e em especial na situação econômica que passamos, marcas e agências já estão vendo que os olhos do consumidor mudaram. Paradoxalmente, o próprio consumidor brasileiro ainda não percebeu a dimensão do que deveria ser uma economia estável e funcional e nem se deu conta de todo seu potencial de consumo. Isso porque, ainda alimentamos hábitos passados e movimentos como tecnologia verde, custo-benefício real, aplicabilidade de impostos, vigilância de preço, entre outros, tratados no Brasil como modismos. Só incorporamos no consumo o que foi necessidade até hoje: como reciclagem e direitos do consumidor. Os dois lados do consumo, tanto oferta quanto demanda, ainda estão se readequando para o século 21.

Qual a conclusão que a Hibou tirou da pesquisa, sobretudo no interesse dos consumidores em adquirir imóveis?
Que a economia atual está colocando os brasileiros no sinal de alerta, onde eles veem uma possível última chance de aquisição do imóvel, mas se preocupam muito com o descontrole da economia e possível volta da inflação. Esse impasse, só a manutenção da estabilidade econômica poderá solucionar.

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Post originalmente publicado em Cimento Itambé

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