Que para crescer é preciso buscar novos mercados e internacionacionalizar, as empresas brasileiras não têm dúvida. Mas será que os executivos brasileiros estão preparados para essa tarefa? Para Dominique Turpin, presidente da escola suíça de negócios IMD, eles ainda precisam aprender a sair da zona de conforto.
A frase não é uma crítica, mas uma constatação. Na visão de Turpin, há poucos executivos no mundo com a disposição de deixar a própria “vila”. No Brasil, isso é ainda mais forte, já que, com tantas oportunidades no mercado interno e um bom estilo de vida, eles não querem sair daqui.
“Os brasileiros são educados no Brasil, Estados Unidos ou Europa. Por isso, não têm um entendimento global do mercado”, explica Turpin. “Ainda há poucos executivos realmente globais brasileiros que eu conheça. Embora acredite que, conforme as companhias brasileiras forem crescendo internacionalmente, haverá mais e mais deles.”
O cenário não deixa de ser uma oportunidade de negócio para o IMD, que recentemente anunciou sua vinda para o Brasil e tem excelência na formação de líderes. Já passaram pela escola de negócios nomes como Murilo Ferreira, presidente da Vale, Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano Papel e Celulose, e Fábio Barbosa, ex-presidente do banco Santander e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e atual presidente do Grupo Abril.
Além de estruturar seu escritório no Rio de Janeiro, o IMD busca um professor brasileiro. A ideia é ficar perto de seus clientes. No ano que vem, o Brasil sediará os cursos de liderança da entidade. Em entrevista, Turpin detalha qual o perfil do líder global – segundo a escola-referência – dá exemplos de empresas que cultivam líderes prontos para os mercados internacionais.
Qual seria o candidato perfeito para liderar uma empresa que deseja se internacionalizar – caso da maioria das companhias, atualmente?
O candidato perfeito seria o dono de um perfil que chamamos de “Global Trotter”, que é a pessoa que é forte em três pilares. O primeiro é o que chamamos de auto-gerenciamento, ou como abordamos o mundo e nos portamos em uma variedade de situações. O segundo é o gerenciamento da percepção, como identificamos, julgamos informações novas e ambíguas. E a última é o gerenciamento dos relacionamentos, como enxergamos e trabalhamos com o outro, especialmente em situações de diferenças culturais. Poucas empresas reúnem pessoas como estas.
Quais empresas conseguem reunir pessoas como estas?
Outro dia estive na Nestlé (que assim como o IMD, tem sede na Suíça) com um grupo de executivos japoneses. Fomos recebidos por um executivo suíço. E perguntei: “Há quanto tempo você está aqui”? Ele me respondeu: “Voltei há apenas dois meses, depois de 23 anos na estrada. Entrei na Nestlé estava com 23 anos e dois dias depois eles me enviaram à Malásia. Só agora voltei à Suíça”. Este tipo de empresa, prefere enviar as pessoas para fora antes que se casem e tenham filhos. Por que, claro, do contrário seria muito mais difícil. A Nestlé é uma companhia agressiva que na qual você precisa se ajustar a isso e ao fato de que a cor do passaporte é irrelevante.
É possível que um executivo desenvolva essas características?
Sim, claro. Alguns executivos não nascem líderes globais, mas podem se destacar em suas carreiras ao serem enviados a diferentes lugares. O que é crítico é ter uma mente aberta e ser curioso em relação ao mundo e não ter dificuldades em ir para diferentes missões e cargos. É claro que pode ser doloroso ser movido de país e de um emprego para outro. Mas o incômodo é muito menor que o resultado no longo termo. Ter a oportunidade de se mover de um mercado para outro e de ser sempre desafiado faz com que as pessoas despontem rapidamente.
Como identificar esses líderes potenciais?
É como um executivo me disse: eu não me importo com quantas línguas meu pessoal fale, me importo com quantas línguas eles querem aprender. Algumas pessoas simplesmente estão dispostas e outras não. Imagino que no Brasil há gente que não queira mudar nem de São Paulo para Recife e vice-versa. É um tipo de pensamento que você tem ou não. E essa é uma pré-condição. Depois claro, cabe às empresas administrarem a carreira dessas pessoas. Elas precisam de novos desafios, e que eles sejam significativos. Tem que haver uma recompensa, que não deve ser financeira, mas sim do ponto de vista da carreira.
Que outras empresas contratam esses perfis e treinam líderes globais?
Em empresas como a Tetra Pak ou Philip Morris, as pessoas sabem que, se querem chegar ao topo, elas precisam estar dispostas a mudar. No processo de recrutamento, essas empresas se certificam de estarem contratando mais “globe trotters”.
Esse é o momento perfeito então para executivos que buscam uma carreira internacional…
Com certeza. Acabo de voltar da China e você encontra pessoas interessantes que decidiram deixar a Europa ou mesmo a America Latina porque acreditam que lá é um tipo de nova fronteira. Eles vão ter de aprender chinês, o que não é uma tarefa fácil, mas sabem que é em países como estes que existem oportunidades reais de emprego, especialmente se você olha o que está acontecendo com as economias maduras.
Você encontra muitos executivos com esse perfil nas empresas?
Essas pessoas são provavelmente uma minoria, mas uma minoria que está crescendo. Quando você entra para uma empresa como Phillip Morris ou Procter & Gamble e almeja uma carreira internacional, precisa saber que eles não te enviam para os países bacanas logo de cara. Claro que é doloroso. Mas é como disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “o que não nos mata, nos fortalece”. No passado as pessoas mudavam de Portugal para o Brasil, ou da Irlanda para os Estados Unidos. Hoje você vê as pessoas querendo ir para o Japão ou a China, onde as coisas estão acontecendo. Ainda são minoria, contudo. A maioria diz que está confortável onde está e prefere ficar na sua “vila”. E isso é a natureza humana, nós preferimos evitar a dor.
Então as companhias estão em maus lençóis?
Não estou dizendo que o único perfil é o “global trotter”. No IMD trabalhamos com oito perfis diferentes de executivos. Existem os descobridores, conectores, aventureiros, observadores, isolacionistas, extrovertidos e o oposto ao “global trotter” que é o “stay at home”. E é preciso ter pessoas assim também na empresa. O mundo precisa de diversidade para funcionar. Imagine uma alimentícia, que tende a ser local em muitas culturas. Quem está vendendo cachaça provavelmente vai ficar no Brasil. Então, depende também da indústria, porque algumas tendem a ser globais e, outras, locais.
Os executivos brasileiros têm potencial para serem bons líderes globais?
Há tantas oportunidades no mercado local que eles não querem sair do próprio mercado. Mesmo as companhias brasileiras, quando querem se internacionalizar, normalmente, pensam na América Latina. Um bom exemplo é a Tigre, empresa de tubos e conexões. A expansão dela começou pela liderança no país, depois foi para Uruguai e Argentina até chegar aos Estados Unidos. Geralmente as brasileiras vão também para a Angola e África. Há poucas oportunidades para elas na Índia ou China, com poucas exceções, como a Odebrecht. Assim, os brasileiros são educados no Brasil, Estados Unidos ou Europa. Por isso, não têm um entendimento global do mercado – a não ser que integrem uma multinacional. Ainda há poucos executivos realmente globais no Brasil, pelo menos que eu conheça. Embora acredite que, conforme as companhias brasileiras forem crescendo internacionalmente, haverá mais e mais deles.
É possível acelerar esse processo de alguma maneira?
Os brasileiros precisam sair da zona de conforto. Vocês têm um país maravilhoso, com um estilo de vida muito bom. Isso é dos motivos pelo qual as pessoas não se inspiram a sair do Brasil. Conheço muitos brasileiros que vão para a Europa, veem o frio e querem voltar porque aquele não é seu ambiente natural. O CEO da Nestlé na Índia [Antonio Helio Waszyk, na companhia desde 1977 e ocupando o cargo atual desde 2009] é um bom exemplo de executivo brasileiro global.
Quais características positivas e negativas os brasileiros têm enquanto líderes?
Não quero cair no estereótipo… Geralmente os brasileiros são fáceis de lidar, mas não são tão rigorosos. Não enxergam um problema da mesma maneira que um europeu vê. Vocês têm grandes líderes. Sua presidente atual [Dilma Rousseff] e a atual presidente da Petrobras [Maria das Graças Foster]. Não acho que liderança seja algo crítico para vocês.
Que dicas você daria a quem pretende chegar ao topo?
É preciso aceitar desafios e sair da zona de conforto, ter bom julgamento, ser bom comunicador e ser sensível às pessoas. Você pode ter uma ideia incrível, mas se não conseguir convencer as pessoas, não adianta nada. Hitler e Stálin eram líderes. Mas será que eram bons líderes? Não tenho tanta certeza. E, por fim, o mais importante, é preciso ter coragem.
Já curtiu a nossa página fã? >> FB/guilhermemachado.blog Acompanhe todas as novidades sobre o mercado imobiliário, empreendedorismo e inovação.
O conteúdo original desse post foi publicado no site Época Negócios.
Esse conteúdo é publicado sob a licença Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 3.0 Unported.